segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

SACRAMENTUM PARADISI



Com espadas de fogo

dois anjos abrem velhas portas
do terreno sagrado,
ponte do futuro-passado.
Aqui,
meus carneiros pastam
com teus leões
e teus bezerros com meus tigres.
Não tememos.
inocentes,
por a mão em toca de víboras,
nem de seguir, obedientes,
a voz de um Menino.
Irrigado de tantas águas
este solo, este momento
floresce de todas as cores
de todos os frutos.
Damos nomes aos bichos
sem chamá-los bons ou maus.
A terra graciosamente reconciliada
faz-se fecunda e generosa.
Partos sem dores
da união dos opostos.
A nudez não assusta,
não incomoda, não excita.
O ruído de passos no Jardim
no fim da tarde
alegra o coração:
É quem esperávamos !!

O BARCO

Atravessando o deserto

puxando, empurrando um pesado barco,

grande, muito maior que o corpo, sem rodas,

na areia quente, nas rochas incandescentes...

O paradoxo lateja

mais que todos os músculos...

A tentação de dizer: “basta!”

queima mais que a garganta seca...

A sutileza de perguntar “por quê?”

uma sombra, que não se vê.

A floresta que aparece 

confunde o seco navegante,

mato fechado, os espinhos, a subida...

fazem achar doce o deserto.

Inundado de calor úmido, 

sente saudades do seco...

Mas sobe mato adentro

com criatividade e humor,

frutos da experiência.

Do alto da serra,

aparece o mar:

pequena parte do mistério do barco seco.

A descida, abrupta,

perigosamente pesada, 

descansa na praia gentil.

Prepara-se o navegante seco 

para enfrentar o Alto Mar,

sente-se pronto para tudo, 

depois de tanta luta...

— “Coloca no barco tudo o que amas!” —

a ideia o agrada sobremaneira...

— “Empurra o barco para a água... deixa-o...” —



Despreparado para tudo, obedece

já perto do desvario...

"Recebe-me", repete silencioso,

"não sei se estou indo, no que amo, 

ou ficando, no amar".

Mas o amor não podia ser diferente.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sub sidere vernant


             

Tão perto
te descubro
tão longe
cheguei.
"sub sidere"
estavas
onde sempre
vivi.
Tão belo,
discreto,
dentro de ti,
me achei.
Sem saber,
me levaste
por onde,
nem sei.
No mergulho
no verde agora
a vida tem gosto
de presente.

UM PÉ DE AGORAS



Solitária, a Bela Árvore 

recebe a visita do pássaro. 

“Você existe !” disseram-se. 


Firmeza de raízes, galhos frondosos, 

Asas potentes, olhos que muito viram; 

em comum, o fato de serem verdes. 


Asas cansadas repousam nos galhos, 

Raízes profundas iluminadas pelos olhos. 

Amor fazendo sua arte preferida. 


“Por quanto tempo?” 

Perguntam-se em silêncio. 

“Quanto dura um milagre?” 


Sonha árvore-alada amplo mundo; 

nutre-se pássaro de profunda doçura. 

A qualidade da vida suspende tolas perguntas: 

O Agora é um presente !


Teu Tempo



Teu tempo,
tuas águas fluídas
levando folhas
de minhas árvores,
regando minhas raízes.

Voo I


Voo a 10 mil metros
e tudo me parece um sonho
feito de altitude e fantasia...
Tudo me parece pequeno
distâncias, tempo, rios e montanhas, 
tudo me parece passageiro,
tudo se acaba e tudo começa...
Eu pareço pequeno,
insignificante nesta altura,
leve como toneladas do avião ao voar...
insustentavelmente leve,
como um abismo de solidão.
Todas as fragilidades estão à mostra,
dentro e fora,
e nos rimos ao pensar que é um sonho,
que não é verdade
que tudo e eu somos tão fracos...
Não obstante,
não sei o que é pior:
ter medo da real altura,
ou rir-se dela,
para além dela.
Sigo em extremo perigo
e é como se olhasse uma foto,
se visse um filme,
no qual sou incluído, 
mas não prisioneiro.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Possibilidades


Todas as possibilidades,
abertas...
sempre estiveram aí,
esperando-me...
Misteriosas, anônimas,
convidativas...
sempre estiveram aí,
espreitando-me...
Silenciosas, sutis,
promissoras...
sempre estiveram aí,
surpreendendo-me...
Imenso jogo incompreensível,
quebra-cabeças...
sempre estiveram aí
ensinando-me a liberdade.